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Um reator nuclear é um dispositivo no qual ocorre uma reação nuclear em cadeia controlada e onde é libertada energia. Os reatores nucleares são usados para produzir eletricidade, em centrais nucleares, e também para propulsionar navios ou submarinos.

Também existem reatores que produzem isótopos para fins médicos e industriais, reatores destinados à produção de plutónio adequado para armamento e ainda reatores usados unicamente para investigação.

A energia é libertada em reatores nucleares sob a forma de calor. Este calor pode ser convertido numa forma de energia que possa ser usada pela sociedade. Numa central nuclear típica, esta conversão pode ser tão simples quanto ferver água para produzir o vapor que irá fazer girar as turbinas que acionam geradores elétricos.

A primeira central nuclear comercial foi aberta em 1956 em Sellafield, Inglaterra, e teve uma capacidade inicial de 50 MW. Na figura abaixo estão representados os componentes principais de uma central nuclear típica:
Legenda: (A) estrutura de contenção, (B) barras de controlo (C) núcleo do reator, (D) gerador de vapor, (E) canal de vapor, (F) turbina, (G) gerador, (H) eletricidade para os consumidores, (I) condensador, (J) spray, (K) vapor de água, (L) torre de arrefecimento.

A reação em cadeia num reator nuclear é exatamente crítica, pelo que, em média, apenas um neutrão de cada núcleo de fissão leva à fissão noutro núcleo. Para que isso seja possível, o núcleo do reator contém vários componentes que são usados para manter as condições de criticalidade.

Os neutrões libertados na fissão têm uma energia de 1-2 MeV e uma grande velocidade, pelo que a probabilidade de estes causarem a fissão de 235U é baixa. Por conseguinte, tais neutrões passarão por muitos, muitos núcleos antes de serem absorvidos por um deles e induzirem a fissão. Uma solução é desacelerá-los, para que atinjam energias da ordem de uma fração de eV.

Pode pensar-se na maior probabilidade como proveniente do facto de os neutrões lentos passarem mais tempo em contacto com os núcleos de urânio. Tais neutrões são designados por neutrões térmicos, uma vez que as suas energias cinéticas são próximas das energias cinéticas das moléculas do ar à nossa volta. Para desacelerar neutrões num reator de fissão, por exemplo, preenchem-se os espaços vazios entre o material físsil com um chamado moderador, como por exemplo água ou grafite.

Um reator que contém neutrões térmicos é chamado de reator térmico. O diagrama à direita mostra os componentes principais (1-3) e processos (A- D) de um reator térmico: (1) barra de combustível, (2) moderador, (3) barra de controlo, (A) fissão, (B) moderação, (C) absorção, (D) captura.

Se um neutrão colidir com um núcleo, o primeiro pode dispersar em qualquer direção, incluindo para fora da área ativa. Assim sendo, rodear o material físsil com uma substância não absorvente que disperse os neutrões de volta aumenta o número de possíveis colisões.

Esta animação ilustra o efeito dos refletores de neutrões.
O material que rodeia o material físsil em reatores nucleares chama-se refletor. Um refletor de neutrões pode tornar crítica uma massa de material físsil que de outra forma seria subcrítica.

Aço, berílio ou grafite são materiais comummente usados em refletores. Um refletor feito de um material leve como grafite ou berílio atua também como um moderador de neutrões, reduzindo a energia cinética dos mesmos, enquanto que um material pesado como chumbo terá menos efeito na energia do neutrão.

A animação à esquerda ilustra o efeito de um material refletor.

Queremos ter uma produção de energia que seja o mais eficiente possível. Contudo, se a eficiência for demasiado alta, podemos deparar-nos com uma explosão nuclear, uma situação a evitar! Os reatores nucleares são construídos de forma a tornar uma explosão nuclear impossível. Para atingir este objetivo, é necessário ter a possibilidade de dificultar uma reação em cadeia, caso esta se desenvolva demasiado rapidamente. Tal é conseguido através da divisão do material físsil em massas mais pequenas que a chamada “massa crítica”, de forma a que os neutrões não encontrem núcleos de material físsil tão prontamente. As peças de urânio em questão são então chamadas de subcríticas.

Esta animação ilustra o efeito das barras de controlo.

Os neutrões podem facilmente escapar das superfícies de urânio antes que qualquer acumulação perigosa de energia seja possível. Além disso, entre os blocos de material físsil podem ser colocadas barras de controlo que absorvem fortemente os neutrões. Quanto mais fundo as barras de controlo são inseridas entre o material físsil (barras de combustível), mais difícil é para os neutrões produzidos através da fissão colidirem com outros núcleos de urânio, dando origem a uma reação em cadeia mais limitada e a uma diminuição na produção de energia.

A animação à direita ilustra o efeito das barras de controlo de cádmio num reator nuclear.

A maior parte dos reatores nucleares térmicos usa 235U como combustível. Contudo, a sua baixa abundância na natureza (0,72% do urânio natural, maioritariamente 238U) impossibilita a reação em cadeia quando o urânio natural em si é usado. Assim sendo, o combustível do reator tem de ser enriquecido com 235U. O grau de enriquecimento em reatores de energia nuclear e de investigação varia entre cerca de 2% e 40%. Em reatores de tipos mais antigos, especialmente nos que são usados em submarinos, o enriquecimento pode até exceder os 90%.

O combustível pode ser preparado sob a forma de pequenas esferas de UO2, com alguns centímetros de espessura. Estas esferas são dispostas sob a forma de barras de combustível. Também é possível usar várias ligas de urânio com outros metais, como por exemplo o alumínio. Uma proposta recente é a de usar elementos esféricos de combustível nuclear especialmente projetados para o efeito.

Existem também reatores que usam neutrões rápidos. Em tais reatores, a absorção de um neutrão pelo 238U leva à formação de 239Pu físsil. Este isótopo de plutónio pode ser extraído do combustível queimado e usado para a produção do chamado combustível MOX, que contém ambos os materiais físseis, 235U e 239Pu.

De longe os reatores mais populares são aqueles que usam água como moderador e como líquido de refrigeração. O reator de água pressurizada (PWR ou a versão russa, VVER) é deste tipo. Tal como a pressão numa panela de pressão aumenta o ponto de ebulição da água, o mesmo acontece num PWR ... à exceção de que a pressão é imensa, cerca de 15MPa, pelo que a água no sistema de refrigeração principal chega a atingir temperaturas de 600K sem entrar em ebulição! O que entra em ebulição nos geradores de vapor é a água de um sistema secundário para onde o calor do circuito primário é transferido. Outra versão do reator, o reator moderado por água pesada pressurizada (PHWR), usa água pesada (D2O) como moderador. Existem também os chamados reatores de água em ebulição (BWR), onde a água entra em ebulição diretamente dentro do reator.

Existem outros tipos de reatores que usam neutrões térmicos:

Reatores refrigerados por gás, em que são usados dióxido de carbono (CO2) ou hélio para a refrigeração. O gás é bombeado através de canais no moderador de grafite.

Reator de deutério-urânio canadiano (CANDU), em que a água pesada desempenha o papel de moderador e de líquido de refrigeração. Devido a perdas insignificantes de neutrões na água pesada D2O, tais reatores podem usar urânio natural como combustível.

Esquema de um reator CANDU: 1 – elemento combustível, 2 – núcleo do reator, 3 – barras de controlo, 4 – tanque de pressão de D2O, 5 – gerador de vapor, 6 – bomba de água, 7 – bomba de D2O, 8 – unidade de controlo de combustível, 9 – moderador de D2O, 10 – tubo de pressão, 11 – vapor para a turbina, 12 – água fria da turbina, 13 – estrutura de contenção (créditos da imagem: Creative Commons)

Reatores de canais de pressão de alta potência (RBMK) com moderadores de grafite eram populares na antiga União Soviética, pois podiam ser usados para a produção de plutónio adequado para armamento (239Pu). Este tipo de reator esteve envolvido no acidente de Chernobyl, em 1986.

Os reatores nucleares podem usar neutrões rápidos de energias de 50-100keV. Tais reatores geralmente não possuem moderadores e podem efetivamente produzir 239Pu físsil, que pode ser reutilizado como combustível. Estes podem ser refrigerados tanto por hélio como por sódio líquido e podem ser feitos suficientemente compactos, de forma a, por exemplo, serem usados em submarinos. Um exemplo de uma central nuclear que tenha operado com um reator de neutrões rápidos foi a SUPERPHENIX, que operou em França, de 1985 a 1997. Outro reator do tipo gerador (isto é, um reator que produz o seu próprio combustível) semelhante, mas não igual, tem estado em operação em Sverdlovsk, na Rússia, desde 1981.

A maioria dos reatores em operação hoje em dia são de segunda geração. Reatores muito seguros da terceira geração têm sido projetados recentemente e reatores de quarta geração já estão planeados. Na última categoria, podemos esperar que existam tanto reatores refrigerados por gás como reatores refrigerados por água, assim como uma variedade de reatores que recorram ao uso de neutrões rápidos.

Um projeto particularmente interessante envolve um reator de alta temperatura refrigerado por gás e com um núcleo feito de 330000 elementos de combustível esféricos, com 60mm de diâmetro e compostos por cerca de 15000 grãos de UO2 cada.

Cada grão, com 0,5mm de diâmetro, é coberto por várias camadas de alta densidade, incluindo uma camada cerâmica de silicone-grafite para conter os fragmentos da fissão. O fluxo de neutrões, a distribuição de energia térmica e a temperatura neste tipo de núcleo do reator são determinados por cerca de 100000 esferas de grafite misturadas com os elementos de combustível. Enquanto que os reatores da atualidade operam tipicamente a cerca de 600K, os materiais usados em tais reatores suportariam temperaturas muito mais elevadas. Nesse caso, o elemento de refrigeração seria o hélio. Quando atingisse uma temperatura de 1200K, o gás de hélio moveria a turbina de gás e o gerador de energia elétrica com uma eficiência de cerca de 40%. Todo o projeto deste tipo de reatores é muito mais simples do que o de reatores atualmente em operação. Para além disso, as temperaturas elevadas às quais estes trabalham permitem a produção de hidrogénio a partir de água ou outros materiais sem causar poluição atmosférica. Os materiais de construção propostos podem suportar temperaturas da ordem dos 1900K, algo que é muito importante do ponto de vista da segurança do reator.

Além disso, os reatores da quarta geração refrigerados por água oferecem também novas características de segurança. A Westinghouse Electric realizou a ideia de um “reator internacional, inovador e seguro‘ (abreviado para IRIS). Em tal tipo de reator, todo o sistema primário de refrigeração é colocado dentro do reator, de modo a que uma perda séria de líquido de refrigeração é virtualmente impossível. Também se pode pensar em operar o reator a uma temperatura e pressão acima do ponto crítico para a água, isto é, sob condições onde não há diferença entre um gás e um líquido. A excelente condutividade de calor da água em tal estado permitiria o alcance de uma eficiência de 45%, e, devido ao facto de o trabalho ser desenvolvido a altas temperaturas, à produção de hidrogénio como combustível.

Reatores do tipo gerador arrefecidos por metais líquidos que ofereçam uma elevada condutividade de calor estão também em consideração. O líquido de refrigeração neste caso seria mantido sob pressão atmosférica, pelo que uma libertação violenta do mesmo no caso de uma avaria do sistema primário é excluída. Contudo, as dificuldades técnicas que surgem ao lidar com metais líquidos têm dificultado o desenvolvimento destes reatores. Apesar disto, estes permanecem fortes candidatos para um futuro ciclo de combustível nuclear sustentável.

Como regras simples a seguir para manter um reator seguro, é necessário:
1) Ser-se capaz de desligá-lo quando necessário
2) Manter o núcleo coberto por água
3) Manter a estrutura de contenção intacta
De forma a pôr em prática estes princípios gerais, usamos as leis naturais da física. Se são usados dispositivos mecânicos, é necessário providenciar dois tipos de dispositivo, de modo a que a mesma falha não possa ocorrer em ambos simultaneamente.

A imagem ilustra dispositivos de segurança passivos: 1 – descarga de ar de convexão natural, 2 – tanque de água escoado pela gravidade, 3 – evaporação da película de água, 4 – recipiente de contenção de aço, 5 – válvula de despressurização automática, 6 – tanque de reabastecimento de água alimentado pela gravidade, 7 – refrigeração com ar exterior (Créditos da imagem: Westinghouse 2011). Durante um apagão de energia, a água de emergência é canalizada para o interior do reator pela gravidade e é circulada de volta por convexão e condensação passivas.

Os reatores nucleares possuem múltiplas camadas de segurança redundantes. O escudo biológico em redor do reator protege as pessoas contra a radiação ionizante produzida no interior do núcleo do reator. A água em reatores PWR ou PHWR é cuidadosamente purificada (destilada), uma vez que quaisquer impurezas na água poderiam tornar-se radioativas durante o funcionamento do reator. O reator é geralmente rodeado por betão pesado e espesso, situado dentro de um corredor construído para esse efeito, cujas paredes conseguem suportar a onda de pressão do vapor que se formaria num acidente grave. Para além disso, o edifício que abriga o corredor do reator contém novamente paredes pesadas e espessas. Os telhados, geralmente hemisféricos, são fortes o suficiente para resistir ao impacto de um avião. É prestada especial atenção à mecânica e ao controlo do sistema de refrigeração.

Os sistemas de segurança de um reator são normalmente triplos, reduzindo a probabilidade de falha simultânea de todos os sistemas para praticamente zero. É por isso que têm ocorrido tão poucos acidentes na história da energia nuclear. Os acidentes em Three Mile Island, nos EUA, em Chernobyl, na antiga URSS, e em Fukushima Daiichi, no Japão, são, de facto, exceções onde cadeias de falhas de múltiplos sistemas se juntaram a erros humanos ou onde cataclismos naturais sobrecarregaram os sistemas de segurança existentes.

Por fim, embora não menos importante, é tomado um cuidado especial no que toca aos resíduos radioativos e ao material armazenado perto do reator, para os salvaguardar contra roubo e uso incorreto dos mesmos (como por exemplo em armas nucleares).

Há uma diferença fundamental entre a explosão de bombas nucleares e uma explosão num reator nuclear! De facto, as explosões nucleares são impossíveis num reator nuclear, embora explosões térmicas (Chernobyl) e químicas (Fukushima), mais comuns, sejam possíveis. Por conseguinte, não existem certos efeitos como clarões de luz. A consequência principal da explosão de um reator é a libertação de material radioativo para a atmosfera, que em seguida forma precipitação radioativa. A distribuição da precipitação irá depender das condições meteorológicas (em particular do vento e da chuva).

O incidente de Chernobyl mostrou que, na eventualidade de uma catástrofe nuclear, a contaminação do solo poderá propagar-se a áreas vastas, onde a exposição à radiação decairia para uma fração do nível natural e não poderia dar origem a quaisquer consequências sérias. Este caso é diferente do de uma explosão nuclear, onde vastas áreas podem ser contaminadas até atingirem níveis de exposição acima do letal.

E em relação às consequências de um ataque aéreo terrorista sobre uma central nuclear? A estrutura de contenção não sofreria muitos estragos em tal eventualidade e o núcleo do reator certamente não seria afetado. Contudo, os sistemas de refrigeração e de alimentação de energia elétrica poderiam ser afetados, se atingidos. Não obstante os dispositivos de segurança que existem atualmente, este tipo de estragos poderia, no pior cenário, levar ao sobreaquecimento e fusão do núcleo do reator. Mesmo em tal caso, os materiais radioativos permaneceriam dentro do recipiente de pressão do reator. O que pode ser mais perigoso é um ataque bem-sucedido sobre o repositório de resíduos de alto nível, localizado na central nuclear. Embora um ataque desses fosse difícil devido às dimensões diminutas destes repositórios, não seria impossível. Prevê-se que os materiais radioativos fossem posteriormente disseminados, embora o problema permanecesse apenas a uma escala local.

Traduzido por:

Miguel Marques (Estudante de Mestrado em Física, Ciências-ULisboa)

Renato Alegria (Estudante de Mestrado Integrado em Engenharia Física, Ciências-ULisboa)